terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

R. Maldoror

(…)

Que dizem um ao outro dois corações que se amam? Nada. Mas os nossos olhos exprimiam tudo. Digo-lhe que cinja o capote ao corpo, e ele fez-me notar que o meu cavalo se está a afastar demasiadamente do seu: cada um de nós interessa-se tanto pela vida do outro como pela sua própria; não rimos. Ele tenta sorrir-me; mas percebo que o seu rosto está marcado pelo peso das terríveis impressões nele gravadas pela meditação, constantemente debruçada sobre as esfinges que confundem, com um olhar oblíquo, as grandes angústias da inteligência dos mortais. Vendo como são inúteis as suas diligências, ele desvia os olhos, morde o seu freio terrestre com a baba da raiva, e contempla o horizonte que foge quando nos aproximamos. Tento por meu lado recordar-lhe a sua doirada juventude, que só pede entrada nos palácios dos prazeres, como uma rainha; mas ele nota que as palavras me saem dificilmente da boca emagrecida, e que também os anos da minha primavera já passaram, tristes e glaciais, como um sonho implacável que, nas mesas dos banquetes e nos leitos de cetim em que dormita a pálida sacerdotisa do amor, paga com as cintilações do ouro, passeia as amargas volúpias do desencanto, as rugas pestilentas da velhice, os sustos da solidão e os farrapos da dor.

(…) Aqui

isidore ducasse
conde de lautréamont
cantos de maldoror
canto terceiro
trad. pedro tamen
fenda
1988

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