sábado, 13 de fevereiro de 2010

Y. Rael



Na cidade mourisca as ruas estreitas conduziam um rio de gente descontraída. Na praça, não muito longe do quarto onde me encontrava, havia uma estátua do Rei D. Sebastião com o elmo de guerra aos pés. Eu devia estar naquele primeiro andar percutindo as teclas da máquina de escrever. O texto ia saíndo nas horas mortas, quando o trabalho do restaurante o permitia.
O princípio, ou Genesis, como quiserem, estava ali à minha frente numa meia dúzia de folhas dactilografadas. O princípio do ofício da escrita, partiu de dentro de mim numa nau das descobertas na cidade de Lagos, ou Zawaia, como quiserem. Para mim será sempre a última hipótese, pois o meu sangue árabe foi sempre se revelando cada vez mais salgado e quente confirmando essa minha afinidade filial com o norte de África. A estória ou artigo jornalístico deveria ser entregue em prazo curto ao Portugal Hoje, e daria prémio e direito a assistir ao vivo no Dramático de Cascais ao concerto de Peter Gabriel, que nessa altura tinha definitivamente abandonado os Genesis para encetar um trabalho a solo. O texto ia-me saindo directamente da cabeça para as folhas brancas de um jacto, entrecortado somente pelas tarefas no restaurante de minha tia. Estávamos em 1980, deveria ter 17 anos e escrevia sobre a odisseia de Rael nos subterrâneos de N. Iorque, obra maior do universo onírico do cantor de voz rouca dos Genesis. Sem qualquer expectativa exagerada, cumpri o prazo e enviei a carta com o texto para o jornal. Qual não foi o meu espanto passados alguns dias, na edição do Portugal Hoje seguinte lá vinha o meu texto com mais dois, os seleccionados com direito a prémio: bilhete para assistir ao vivo em Cascais ao concerto de Peter Gabriel. Nesse dia na minha cabeça ouvia-se já Here comes the flood. Há músicas que nos marcam a vida.

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