quinta-feira, 29 de abril de 2010

JACK

Música séria

já aqui não pernoitas nem falas comigo
nem és o imperceptível frémito de asas sobre o papel

Al Berto

selada a boca de mármore
uma lápide encerras,
na língua escurecida pelo vento
um verme vestindo asas

vou raspando os troncos
com um canivete de fel
um pequeno barco,
que pouso na lâmina lacustre,
lacerada.

há livros na boca da noite
emudecidos na tua boca
e tantas cartas queimadas
tolhendo a ligadura das mãos

e há pássaros redondos,
debicando sonhos,
comendo pão.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

SOBRE O LADO ESQUERDO

Poema de infância

Meto a mão na algibeira
procurando uma gota de sangue,
colada aos dedos,
pequena gota da memória

ainda ontem o golpe sarou
persistindo no fluxo
do sangue quieto, que nos trouxe
cabelos grisalhos à fronte.

Essa minúscula gota doce
suspensa no espaço
duma cor rubra e quente
gardei-a na luva amputada

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ALGUÉM OLHARÁ POR TI



Quando te perdes no cruzamento da inocência,
mais uma vítima certeira da poesia
e cambaleias na dor do corpo violentado,
quando os versos como aranhas aflorarem
à garganta em teias de suor,
um ar áspero arranhando os pulmões,
nesse preciso momento saberás
que tudo foi em vão:
Esmagado por um peso estranho,
embora as legendas continuem
a passar no écrã,
não sentes o chão.

sábado, 17 de abril de 2010

DESCALÇOS

ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

O rio - eram quatro da madrugada
irrequieto, entrou-me na cama
sonhei-o com forças brutais
trazia sementes misturadas
e uma guarda de escada
que me entrou no quintal

por baixo da cama um ralo
a água em espiral
acordei já no céu
Deus com a túnica enlameada.

ONTEM

Ontem dei por mim escavando
nas franjas do tapete
o corpo dobrado de caule

anteontem cesceu-me
uma pequena árvore
no peito,
florando mãos e braços

há uma semana que me cresce
uma semente no ventre
e regurgito folhas trilobadas

darwinismo congénito - penso

LUXURY

cabeça ovalada,
verbo de sangue
fluente

uma acácia
no centro da sala
com tampo de chuva

água, transbordante água
água desamparada
caindo na dor da calçada

um nome: ana
duas mãos, ama
envolve a nuvem
uma arma dispara
ondas de espuma

oceano descendo o céu