quinta-feira, 15 de julho de 2010

Caderno de hesitações 01

1986. Julho

Tinha acabado de sair do seu quarto pela janela. Coloquei o capacete, uma semi-calote esférica enterrada na cabeça, ridículo como sempre tenho sido.

Dei ao pedal da motorizada, uma, duas, três vezes e ainda emerso no fumo do escape, rolei pela calçada acima, junto à Igreja Matriz. Eram 4:16 da madrugada e a humidade da noite colava-se ao rosto.

Três horas antes, tinha entrado pela porta principal, entreaberta, a medo, e ela estava à minha espera com o robe entreaberto. Beijei-a ardentemente, sentindo os mamilos contra a camisa engomada, as minhas mãos deslizavam por debaixo do robe acariciando a sua pele aveludada, enquanto ia sendo empurrado para o quarto adjacente à sala de entrada. As minhas pernas embateram na cama e de repente ela caíu comigo, espalhando os cabelos longos sobre os lençóis. Sussurrava-me dizendo que não devíamos fazer barulho, que os pais estavam num quarto um pouco mais acima. Enquanto isso, o robe acetinado caía de um dos lados da cama, como um desastre natural e sentia-lhe o hálito quente no meu pescoço, enquanto as suas pernas fortes, torneadas, me aprisionavam.

Era Julho em Portimão, fazia pouco tempo que tinha aprendido a conduzir motorizada.


in Caderno de hesitações, Ed. do autor, 2010

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